domingo, 28 de novembro de 2021

Análise de Roberto Cláudio - "A política pública no combate à invisibilidade que o Enem desnudou"



De acordo com a nossa Carta Magna de 1988, cidadão é aquele indivíduo a quem são conferidos direitos e garantias (individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais) dando-lhe o poder de seu efetivo exercício, além de meios processuais eficientes contra a violação de seu gozo ou fruição por parte do Poder Público.

Vê-se logo que a Constituição Federal aborda a cidadania sob o enfoque da garantia da dignidade humana “lato sensu”. Embora a nossa população, em sua maioria, não saiba o conteúdo da Constituição, é por meio dela que se garante o princípio da cidadania com os direitos fundamentais, onde se preconiza que ser cidadão não é apenas ter o direito a votar e ser votado, mas, principalmente, ter direitos e garantias individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais.

É a Constituição Federal que assegura ao cidadão os meios processuais eficientes contra a violação do gozo destes direitos por estabelecer princípios como a isonomia e a proteção social dos trabalhadores, para que o cidadão tenha consciência da importância da preservação de sua dignidade como pessoa humana.

Da mesma forma, busca a percepção coletiva dos deveres de respeito à dignidade do outro, estabelecendo a contribuição e o aperfeiçoamento de todos.

Mas em nosso país, “nem todos os iguais são iguais”. E explico: segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 3 milhões de brasileiros não possuem sequer o registro civil de nascimento. O instituto acompanha, desde 2015, a estimativa de crianças que não receberam certidão de nascimento no primeiro ano de vida.

São dados que confirmam até o quadro das disparidades regionais em nosso País. Os números de 2019,
Por exemplo, revelaram que no Sul, 0,28% da população não tinham registro civil; no Sudeste, 1,1%; Centro-Oeste, 1,23%; Nordeste, 2,5% e no Norte, 7,5%.

Com essa situação, onde o primeiro registro social não se verifica, inicia-se o processo de “invisibilidade social” em nossa Nação, fenômeno que agrava o fosso social e que, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) tem raízes em fatores como desinformação, alto índice de analfabetismo e comunidades isoladas.

Vale lembrar que, aqui no Brasil, a emissão da primeira via da Certidão de Nascimento é totalmente gratuita para todos os que nascem em solo brasileiro, direito garantido por lei federal, a Lei Nº 9.534/97.

A consequência mais evidente desta invisibilidade é que sem “ser visto” no aspecto documental, o “cidadão deixa de existir” para usufruir das garantias e direitos assegurados no texto constitucional.
Muito oportunamente, o tema da redação da edição deste ano do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) foi “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”, quando os participantes puderam refletir, tendo que produzir um texto em prosa, do tipo dissertativo-argumentativo, sobre a elaboração de uma proposta de intervenção a esse problema.

Ao ver essa provocação via Enem, pude refletir ainda mais sobre uma política pública implantada, aqui em Fortaleza, há mais de quatro anos, quando eu ainda exercia o cargo de prefeito municipal. Num esforço conjunto com outras instituições públicas, nós nos debruçamos sobre essa problemática e implantamos o Programa “Sim, Eu Existo!”, onde a Prefeitura de Fortaleza ajuda pessoas a conseguirem o registro de nascimento.

De acordo com dados do IBGE, eram 4% das crianças que nasciam em Fortaleza e que acabavam não sendo registradas. Desde 2018, o programa já ajudou mais de 600 crianças na construção do primeiro alicerce de sua cidadania.

Hoje, quem nasce ou mora em Fortaleza e precisa fazer um registro tardio de nascimento (1ª via da Certidão de Nascimento), pode ligar gratuitamente para o número 0800 285 0880 e se cadastrar junto à Prefeitura.

O programa é desenvolvido por equipes da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci) em parceria com as diversas secretarias do Município, buscando dá acesso a qualquer serviço público.
A cidade mantém, inclusive, um Comitê Gestor Municipal de Políticas de Erradicação de Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica que também pode ser acessado pelo e-mail: comitesubregistro@funci.fortaleza.ce.gov.br.

Fortaleza foi além: a Prefeitura disponibiliza para a população de baixa renda do município, por meio da Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, até a segunda via da certidão de nascimento, como também a certidão de casamento ou óbito de forma totalmente gratuita.
São ações consideradas até simples na perspectiva do poder público, mas que alcançam extrema relevância na vida cotidiana de quem mais precisa.

Pode ajudar a erradicar esse quadro da invisibilidade civil e social, com a consequente perda de cidadania, torna a atividade pública um exercício pleno de fraternidade e solidariedade com os mais vulneráveis. Exatamente aqueles que o nosso texto constitucional buscou amparar.

(Portal Congresso em Foco)

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