quarta-feira, 18 de agosto de 2021

TSE planeja regra para ‘secar’ receita de canais com conteúdo político na internet


O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estuda publicar uma resolução que obrigará as plataformas de redes sociais a proibir a geração de receita por páginas e canais com conteúdo político durante as eleições, em especial os dedicados a notícias falsas e com caráter extremista.

Embora não seja direcionada a reduzir o alcance de conteúdos específicos, a iniciativa tem potencial para impactar a renda de perfis bolsonaristas que conseguem arrecadar altas quantias em dólar com desinformação, ameaças e ataques a instituições. Uma parte do TSE enxerga esses grupos como "mercenários" e avalia que a providência é necessária porque "política e ideologia não podem ser comercializadas". Com a fonte de renda "seca", os debates sobre os mesmos temas poderão ocorrer livremente, mas sem que sejam contaminados pelo interesse financeiro.

A reação do TSE surge no âmbito do inquérito administrativo aberto a partir da "live" de 29 de julho, em que o presidente Jair Bolsonaro lançou uma série de informações falsas sobre a segurança das urnas eletrônicas. 

Bolsonaristas têm feito fortunas com conteúdos contra adversários e a favor do presidente. Em uma apuração paralela, a dos chamados atos antidemocráticos, a Procuradoria-Geral da República apontou arrecadação de US$ 1,1 milhão (cerca de R$ 5,8 milhões, no câmbio atual) em apenas 12 canais do YouTube que apoiam Bolsonaro.

O TSE planeja publicar as novas regras nos próximos meses. O tema deve ser debatido nesta quinta-feira, 18, entre representantes da Corte e das principais plataformas, Facebook, YouTube, Twitter, Instagram e Twitch

A resolução que vem sendo discutida poderá ampliar os efeitos da decisão do corregedor-geral da Corte, Luís Felipe Salomão, que determinou a suspensão da "monetização" – o pagamento que as plataformas fazem aos perfis pelo conteúdo publicado e por propagandas que exibem - de canais e perfis bolsonaristas conhecidos pelo método de desinformar.

"Quanto mais se atacam as instituições e o sistema eleitoral, mais proveito econômico os envolvidos obtêm. Como já observado, isso ocorre pelo processo de monetização empreendido por esses usuários, a partir do número de visualizações das páginas, do recebimento de doações, do pagamento de publicidade, da inscrição de apoiadores e da realização de lives", frisou o corregedor.

A decisão, de segunda-feira, 16, não é definitiva. No despacho, ele determinou que os recursos que vierem a ser obtidos pelos investigados fiquem depositados em uma conta vinculada ao tribunal. Não encerrou de vez a chance de arrecadação.

Para uma ala da Corte Eleitoral, a oportunidade de lucro com a disseminação de conteúdos falsos incentiva a polarização política, a corrosão das instituições e ameaças antidemocráticas. Por outro lado, faz com que o debate político não acontece dentro de parâmetros razoáveis.

Além disso, há o entendimento entre ministros de que a receita desses canais pode ser classificada como financiamento privado de campanha eleitoral, o que é proibido. Também existem preocupações com relação a doações não declaradas feitas aos canais.

Entre estudiosos das fake news e do comportamento político na internet, a estratégia do TSE é bem vista. O principal ponto positivo é o fato de ela, com base no que se sabe até aqui, não avançar sobre o que pode ou não pode ser dito nas redes, mas buscar impedir que a desinformação seja um mercado.

"A forma mais eficiente de combater a desinformação profissional é seguir o dinheiro. Em vez de dizer que não pode dizer essa palavra ou que tem que proibir esse assunto, vai no dinheiro. Quando olhamos as pesquisas, vemos que a desinformação é um problema profissional, não é amador. Suspender o dinheiro é uma iniciativa bem-vinda. Não proíbe de falar, proíbe de lucrar com isso", frisou Farbo Steibel, diretor-executivo do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio).

Pablo Ortellado, professor de gestão de políticas públicas da USP e estudioso da polarização e da disseminação de notícias falsas nas redes sociais, considera que a monetização das redes sociais é a principal fonte de financiamento da indústria da desinformação, mais do que repasses de políticos. Por isso, o corte dessa receita há de trazer bons resultados.

"Há muita especulação sobre o financiamento de empresários e de gabinetes de políticos, mas, após muita investigação, o que se descobriu não é muito relevante. Tudo sugere que o dinheiro que alimenta essa indústria vem da monetização --da remuneração dos canais de Youtube, mas também da publicidade dos sites que vem do programa AdSense da Google", comentou.

(Estadão)

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