domingo, 10 de novembro de 2019

Contestações feministas ecoam na Mostra Sesc de Culturas Cariri


Um encontro cultural que recebe, todos os anos, mais de mil propostas artísticas de todos os lugares do País consegue captar o zeitgeist expresso no pensamento crítico das artes e registrar as transformações em curso na sociedade. Em um contexto de desconstrução da cultura machista, de luta pelos direitos das mulheres e pela igualdade de gênero, o cinema, as artes plásticas, a literatura são uníssonas em ecoar questões por muito tempo silenciadas.
Nesta edição da Mostra Sesc Cariri de Culturas, as mulheres conquistaram espaço na programação com criações relacionadas ao feminismo e construídas com sensibilidade, apuro estético e coragem. A jovem cineasta Beatriz Vieirah homenageia Lélia González, antropóloga e intelectual feminista, referência do movimento negro no Brasil. Na galeria de arte do Sesc no Crato, a exposição da artista plástica Marlene Barros simboliza uma rede de solidariedade às vítimas de violência doméstica e feminicídio.
As artes cênicas refletem sobre as relações maternais, performances questionam as pressões estéticas impostas às mulheres, o recital da poeta recifense Luna Vitrolira desmonta a idealização do amor romântico e convida o público para o papo criativo ao lado da artista caririense, Soupixo.
A ausência das mulheres negras no cinema, seja na direção ou atuação, é posta à prova por Carine Fiúza no vídeo “Ando Feito Nuvem Tempestiva Querendo Chover”, criado e performado por ela mesma. Na referência visual e simbólica de Iansã, ela quebra o estereótipo de fragilidade forjado pela segregação racial.

25 anos de teatro feminista

Personagens interpretadas ao longo de 25 anos de atuação no coletivo Ói Nóis Aqui Traveiz, deixam de ser coadjuvantes quando tomam a voz e o corpo da atriz Tânia Farias, no espetáculo Evocando os Mortos – Poéticas da Experiência. Escolhido pela curadoria para a Mostra Sesc de Culturas Cariri, a peça é costurada pela ótica da atriz em releituras das histórias do dramaturgo alemão Heiner Müller, da escritora Christa Wolf e do autor chileno, Ariel Dorfman.
A escolha por mulheres contestadoras coloca questão o contexto patriarcal em diferentes épocas e culturas. Reinterpretando figuras femininas desde a mitologia clássica, a atriz performa a vidente Cassandra, mostrando a perspectiva dela sobre a guerra e derrocada da cidade de Troia. Também dá vida à Sophia, uma viúva que relata os horrores da ditadura militar chilena, enredo inspirado na novela publicada pelo autor chileno em 1981. Para interpretar Ofélia, personagem da peça Hamlet-Máquina, a atriz precisou lidar com traumas de sua vida pessoal que havia bloqueado. “A criação dos personagens é atravessada por experiências minhas diante da violência”, explica Tânia.
A Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz já existe na cena teatral gaúcha há 40 anos, nesse tempo a temática de gênero esteve presente diversas vezes, explica ela. A questão sobre o papel do artista, indagada reiteradas vezes na história da dramaturgia, é trazida para o contexto atual de contestação à desigualdade de gênero. “O Teatro está sendo convocado a participar deste instante de transformação e é algo de que não podemos abrir mão”, defende a atriz.

Consciência da força

A afirmação de que as mulheres negras estão na base da pirâmide social no Brasil significa que são elas a enfrentar o desemprego, ter menor acesso à educação e ocupar os índices de extrema pobreza. Ver este cenário materializado nas comunidades periféricas do Rio de Janeiro foi o que despertou o desejo de mudança na cineasta paraibana Carine Fiúza. No final de 2018, ela lançou o vídeo “Ando Feito Nuvem Tempestiva Querendo Chover”, que já foi exibido em uma mostra de cinema negro, festivais de vídeo-arte e será trazido para a programação de artes visuais da Mostra Sesc de Culturas do Cariri.
“Desigualdade racial no Brasil é uma questão estrutural, a opressão sofrida pela mulher negra passa, desde questão política, à vida social. É uma estrutura construída durante séculos, que leva a mulher negra a estar em inferioridade”, argumenta.
O vídeo é performado por ela mesma e tem como referência visual uma divindade das religiões de matriz africana: “Iansã, a orixá das tempestades e movimentação dos ventos, é uma guerreira, representa essa força da mulher negra”, explica Carine. O vídeo traz a proposta de desconstrução de estereótipos e de uma nova forma de representação. “Desejo desconstruir a ideia de fragilidade feminina, nós mulheres temos força de mudança”, afirma.

Vidas em rede

Na composição do trabalho “Eu tenho a Tua Cara”, de autoria da artista plástica maranhense, Marlene Barros, mulheres cederam as fotos de seus rostos para que a artista as unisse com linha e agulha, formando simbolicamente, uma rede de cumplicidade contra a violência de gênero.“Eu tenho a tua cara, quer dizer eu me importo com você, eu tenho a minha boca e os meus olhos, que posso usar para falar e olhar por você”, explica ela.
Nesse mosaico, estão representadas todas as vítimas de feminicídio, agressões sexuais, tal como a menina do interior do Maranhão abusada pelo tio, que aprendeu a escrever para entregar uma carta ao delegado da cidade. O fato chocou a artista plástica, hoje empenhada em não deixar que as histórias das vítimas sejam esquecidas.
O ateliê de Marlene, localizado no centro histórico de São Luiz, é o ponto de encontro de um grupo de artistas engajadas na questão feminista, juntas elas já realizaram exposições e performances. “Faço arte pela própria arte, mas as questões políticas e de injustiças sociais são tão contundentes, te circulam de uma tal maneira, que não tem como isso não penetrar no teu trabalho”, argumenta.

Programação

Artes Visuais

Cabelodromax

Artista: Grasiele Cabelódroma

Dia: 12/11

Horário: 17h

Local: ruas de Juazeiro do Norte


Artes Cênicas

Pariré

Artista: Companhia Operakata De Teatro

Dia: 10/11

Horário: 19h

Local: Teatro Sesc Adalberto Vamozi

Desmontagem Evocando os Mortos – Poéticas da Experiência

Artista: Tribo De Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz

Dia: 11/11

Horário: 19h

Local: Teatro Sesc Adalberto Vamozi

Dia: 12/11

Horário: 17h

Local: Casa Ninho


Audiovisual

Toda Sombra Parece Viva

Diretor: Leandro Afonso

Dia: 10/11

Horário: 16h

Local: Centro Cultural Banco do Nordeste Cariri


Em Busca de Lelia

Diretor: Beatriz Vieirah

Dia: 11/11

Horário: 16h

Local: Centro Cultural Banco do Nordeste Cariri


Literatura

Aquenda – O amor às vezes é isso

Artista: Luna Vitrolira

Dia: 09/11

Horário: 19h

Local: Unidade Senac Crato


21ª Mostra Sesc de Culturas Cariri

Período: 08 a 12 de novembro

Local: Região do Cariri

Programação: Site www.mostrasescdeculturas.com.br

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