quinta-feira, 24 de julho de 2025

Artigo - Imunidade Parlamentar do Vereador: Limites, Deveres e a Honra Alheia



Por: Leopoldo Martins Filho

Advogado

A imunidade parlamentar é uma das garantias constitucionais conferidas aos membros do Poder Legislativo, seja na esfera federal, estadual ou municipal. No caso dos vereadores, essa proteção encontra-se prevista no artigo 29, inciso VIII, da Constituição Federal, que assegura a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos proferidos no exercício do mandato e na circunscrição do município. Todavia, como todo instituto jurídico, essa prerrogativa possui limites — e não se presta a acobertar abusos, agressões morais ou ataques pessoais travestidos de liberdade de expressão parlamentar.

O plenário da Câmara Municipal deve ser espaço de debate, proposição e fiscalização, jamais arena de humilhação e desrespeito. É papel do Legislativo, do Judiciário e da própria sociedade civil colocar freios nos excessos e reafirmar que a dignidade humana está acima da retórica maliciosa.. Quando essas manifestações transbordam o campo político e ingressam no terreno do achincalhamento moral, atingindo a honra objetiva e subjetiva de seus alvos, tornam-se manifestamente desconectadas do exercício legítimo da vereança.

Da Imunidade à Impunidade: Um Abismo Inaceitável

A imunidade parlamentar existe para proteger o livre exercício do mandato, garantindo que o parlamentar possa se posicionar politicamente sem o temor de retaliações judiciais indevidas. No entanto, é temerário — e inaceitável — permitir que tal imunidade seja manipulada como um escudo para ofensas pessoais, especialmente aquelas proferidas por mero prazer da maledicência, ressentimento ou ódio pessoal.

As palavras agressivas e a violência política de gênero, quando direcionadas a um colega de parlamento ou a qualquer cidadão, não se confundem com o exercício da atividade legislativa. Muito pelo contrário, revelam a degradação do ambiente parlamentar e a instrumentalização da tribuna como palco de agressões verbais, absolutamente alheias ao interesse público e ao exercício democrático da vereança.

Violência Política de Gênero e a Desvirtuação da Função Parlamentar

A situação se agrava ainda mais quando tais ataques assumem contornos de violência política de gênero, o que configura não apenas abuso da imunidade parlamentar, mas também grave afronta aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana, fundamentos basilares da Constituição. A vereança, enquanto representação popular, exige comportamento compatível com a ética, o respeito e a urbanidade — valores estes que são dilacerados quando a imunidade é utilizada para perpetuar práticas misóginas e discriminatórias.

Entre o Mandato e o Delito: A Fronteira da Responsabilidade

É forçoso reconhecer que a imunidade parlamentar não é e nunca foi um salvo-conduto para a impunidade. Não se trata de um cheque em branco para que parlamentares possam injuriar, caluniar ou difamar com respaldo da lei. Ao contrário, sua função é garantir a independência do legislador frente aos interesses do poder econômico e político, não legitimando o uso da tribuna para a promoção de ofensas gratuitas.

A imunidade não pode servir de abrigo para condutas que se divorciam por completo das atribuições inerentes ao mandato.

Conclusão

A proteção conferida pela imunidade parlamentar deve ser compreendida como instrumento de fortalecimento da democracia, e não como passaporte para o abuso. Quando um vereador ultrapassa os limites do discurso político e envereda pelo caminho da agressão pessoal, especialmente motivada por sentimentos menores ou por discriminação de gênero, perde qualquer conexão com a função pública que exerce.

A inviolabilidade prevista no artigo 29, VIII, da Constituição não foi criada para blindar vilipêndios à honra alheia, mas para proteger o legítimo exercício da função legislativa. Portanto, cabe ao Poder Judiciário, à sociedade e às próprias Câmaras Municipais fazer valer o espírito da lei, repelindo os desvios e responsabilizando exemplarmente os que desonram a nobre função da vereança.

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