Por
Francisco Leopoldo Martins Filho
Advogado
Membro Efetivo da Comissão Eleitoral da OAB/CE
Nos últimos anos, tem-se intensificado um fenômeno que compromete não apenas o ordenamento urbano, mas também a qualidade estética e funcional dos espaços públicos: a ocupação irregular por trailers, quiosques e construções fixas em praças, calçadas e áreas destinadas ao lazer da população. Essa prática, muitas vezes tolerada pela omissão do poder público, por interesses particulares, para atender simpatizante e/ou cabo eleitoral, representa uma clara violação ao Código de Posturas e ao Código de Obras do município, prejudicando a paisagem urbana e, mais grave ainda, o direito coletivo ao uso democrático dos espaços comuns.
As praças públicas, por sua função original, devem ser preservadas como locais de convivência, descanso e integração social. São espaços que pertencem à coletividade e que têm papel essencial na qualidade de vida da cidade, funcionando como pontos de encontro, áreas verdes e refúgios do concreto urbano. Quando esses locais são invadidos por construções irregulares, sejam elas trailers móveis ou edificações fixas – como bares, depósitos, palcos permanentes ou pequenas construções comerciais – temos a descaracterização completa da função pública e estética desses ambientes.
Além da ilegalidade, há o aspecto da poluição visual e da completa desarmonia estética que essas estruturas provocam. Muitas dessas construções não seguem qualquer padrão arquitetônico, são feitas de forma improvisada e precária, utilizando materiais que destoam do contexto urbano e paisagístico. O resultado é um ambiente degradado, feio, desorganizado e pouco acolhedor – um contraste direto com o que se espera de um espaço de lazer e integração.
Agrava ainda mais a situação o fato de que esses trailers e construções fixas, na maioria das vezes, são implantados sem qualquer padrão ou diretriz previamente estabelecida pelo Poder Público. Esse vazio normativo e estético revela uma falha grave de planejamento: o gestor municipal deveria ter incluído, já na fase de elaboração dos projetos de obras públicas, critérios técnicos e visuais claros que regulassem possíveis ocupações comerciais ou estruturais em áreas públicas. Ao negligenciar essa etapa, abre-se espaço para improvisos posteriores, que comprometem tanto a funcionalidade quanto a beleza dos locais recém-inaugurados.
Ainda mais alarmante é o fato de que essas obras, muitas vezes, se perpetuam com conivência ou omissão da fiscalização municipal. O Código de Posturas Municipais e o Código de Obras existem justamente para garantir o uso correto, harmônico e legal dos espaços públicos. A ausência de fiscalização, ou sua seletividade, mina a credibilidade das instituições e reforça a ideia de que o espaço público pode ser apropriado à revelia da lei.
Não se trata apenas de uma questão legal ou estética – embora ambas sejam graves. Trata-se, sobretudo, de uma questão social e urbanística. A partir do momento em que praças e calçadas são tomadas por construções privadas ou sem autorização, o cidadão perde o acesso a espaços que deveriam ser inclusivos, acessíveis e democráticos. Pessoas com deficiência, idosos, crianças e pedestres em geral passam a encontrar obstáculos físicos e visuais que reduzem sua mobilidade, segurança e bem-estar.
É urgente que o poder público municipal atue com firmeza e isenção, realizando vistorias, notificações e demolições de construções irregulares, além de aplicar as penalidades previstas. Mas, mais do que reagir, é preciso planejar, prevenir e educar. A cidade deve ser construída com
base em um projeto de urbanismo sustentável, que respeite as leis, valorize o coletivo e preserve a beleza e a funcionalidade de seus espaços públicos.
Não é aceitável que praças se transformem em extensões privadas, nem que a cidade se converta em um emaranhado de improvisos arquitetônicos e feiura. A ocupação desordenada não é sinal de progresso – é sintoma de descaso, de desgoverno e de desrespeito ao cidadão.
A cidade é o reflexo de sua gestão e da cultura cívica de seus habitantes. Permitir que a desordem urbana se estabeleça nas praças e espaços de convivência é permitir que o abandono se torne regra. É preciso reverter esse cenário enquanto ainda há tempo – em nome da legalidade, da estética urbana e do bem comum.