Por Leopoldo Martins Filho
Advogado
Membro Efetivo da Comissão Eleitoral da OOAB/CE
Membro Consultor da Comissão Especial Eleitoral da OAB/NACIONAL
O sertão nordestino, calejado pelo sol e pela espera, voltou às manchetes. Não por causa de promessa cumprida de político, mas pelas operações da Polícia Federal que erradicaram roçados de maconha nas beiradas do Canal da Transposição do Rio São Francisco e do Canal da Integração. É o retrato de um Brasil onde a água que devia matar a sede e dar vida à plantação de feijão, milho e mandioca acabou servindo para irrigar o crime.
As fotos falam mais que discurso: pés verdes, viçosos, crescendo firmes no chão rachado de um povo que, muitas vezes, só vê fartura quando é ilegal. A água que custou bilhões e veio com a promessa de “virar o jogo” no sertão alimentava um negócio clandestino que, de tão bem montado, parecia lavoura de fazendeiro grande. Não era improviso de beira de estrada, mas cultivo planejado, com irrigação constante e aproveitamento milimétrico de cada gota que chegava às covas, sob o sol escaldante.
Esse cenário escancara a ausência do Estado na lida diária. O governo aparece com helicóptero, sirene e tropa, mas depois some feito chuva de relâmpago, aquela que molha pouco e passa depressa. No dia a dia, as comunidades continuam sem assistência técnica, sem incentivo para plantar de forma legal e sem segurança que fique de verdade, no batente, vigiando e orientando. A água corre nos canais, mas o desenvolvimento escorre pelos dedos, perdido na areia quente e no descaso antigo.
Cortar o pé de maconha é importante, mas não resolve. A raiz do problema — a pobreza, a falta de alternativa e a vista grossa de certos cabras graúdos — fica lá, intacta. O crime só muda de canto, feito cabra sabido que conhece os atalhos da caatinga e se adapta à seca ou à cheia. Enquanto houver terreno fértil para o desespero, haverá sempre quem plante nele e colha lucro sujo.
É uma contradição que dói: gastar rios de dinheiro para trazer água e não garantir que ela vire prosperidade honesta. Os canais, que deviam ser veias levando vida, viram também caminhos para o fracasso de uma política sem integração. A água chega, mas não vem acompanhada de escola técnica, de crédito acessível, de mercado para o pequeno produtor e nem de programas permanentes de segurança rural e comunitária.
As operações são necessárias, sim, e mostram competência quando acontecem. Mas são só um remédio de efeito rápido, daqueles que aliviam a dor e não curam a doença. O sertão precisa de tratamento de longo prazo, com mão firme, olho vivo e investimento certo. Sem isso, vamos seguir vendo a água correr, a maconha crescer e a esperança secar no sol do meio-dia, enquanto a vida segue, no compasso lento, sofrido e resistente do povo sertanejo.