sexta-feira, 6 de junho de 2025

Artigo - O riso criminalizado e a crise da liberdade no Brasil


Por Valdetário Andrade Monteiro

Advogado, Conselheiro Federal da OAB, ex-Conselheiro do CNJ e ex-Presidente da OAB Ceará


A recente condenação do humorista Léo Lins a oito anos de prisão, somada a quase R$ 2 milhões em indenizações, por piadas consideradas preconceituosas, não é um mero exagero judicial — é a expressão mais contundente de um fenômeno perigoso: a transição da liberdade para o medo no Brasil contemporâneo.

Sob o pretexto de proteger grupos vulneráveis, o Estado brasileiro tem cedido à tentação de tutelar a linguagem e punir o incômodo. A chamada Lei nº 14.532/2023, ao prever agravamento da pena para ofensas proferidas com “intuito de diversão”, subverte os fundamentos liberais da democracia. Em vez de reconhecer o espaço da arte e da sátira, essa norma transforma o riso em agravante — e o artista, em réu.

Essa é a tragédia institucional: em nome de boas intenções, armam-se mecanismos de censura. A criminalização do discurso irônico, crítico ou provocativo desnatura o papel do Direito Penal, que deve ser o último recurso do Estado — e não seu instrumento para moldar comportamentos morais ou garantir zonas de conforto emocional.

O humor, por definição, lida com ambiguidades, distorções e exageros. Ele incomoda, desafia, subverte. E é precisamente por isso que deve ser protegido. A liberdade de expressão não existe para garantir o discurso confortável, mas sim para preservar o espaço do dissenso — inclusive o de mau gosto. Silenciar esse espaço é transformar o Judiciário em juiz de valores, e não de direitos.

A sentença contra Léo Lins ocorre num cenário mais amplo: censura a livros, intimidação de jornalistas, projetos de controle sobre as redes sociais e interferências do Judiciário sobre a linguagem pública. É um ambiente que sinaliza para o crescimento do Estado paternalista, que infantiliza o cidadão e retira dele a autonomia de julgar ideias por si mesmo.

Como afirmou o filósofo Ronald Dworkin, respeitar a liberdade de expressão é tratar cada indivíduo como agente moral autônomo. Já John Stuart Mill advertia: até a opinião absurda precisa ser ouvida, porque sua existência ajuda a sociedade a amadurecer no confronto de ideias.

Democracias não podem se comportar como teocracias do politicamente correto. Não é com prisões que se combate o preconceito, mas com educação, debate e refutação. O Estado que pune o riso não protege ninguém — apenas projeta sua própria fragilidade institucional.

É tempo de rever essa deriva repressiva. Não há justiça onde o humor é tratado como crime. E onde o riso é proibido, o pensamento também está em risco.

Últimas notícias