sábado, 2 de agosto de 2025

Artigo - 61 golpes e o silêncio que mata


Por: Leopoldo Martins Filho

Advogado

Membro Efetivo Comissão Eleitoral da OAB/CE

Membro Consultivo da Comissão Especial Eleitoral da OAB/NACIONAL

No elevador de um prédio de classe média, o tempo parece ter parado. Em poucos segundos, uma mulher foi agredida brutalmente por um ex-namorado com 61 socos no rosto. Sessenta e um. Não é força de expressão, nem exagero de manchete. É a contagem fria de uma violência real, registrada por câmeras de segurança, que transformaram o pequeno espaço em uma espécie de cela de tortura. E como tantos outros casos, poderia ter terminado em feminicídio.

O que assusta não é só a violência em si, mas a recorrência com que ela acontece — e a frieza com que é tratada. Casos assim vêm se multiplicando diante de nossos olhos. Mudam os nomes, os endereços, os detalhes. Mas a brutalidade é sempre a mesma. E pior: acompanhada por um silêncio institucional, jurídico e social que, muitas vezes, também bate. Bate quando descredibiliza a vítima. Bate quando demora a prender o agressor. Bate quando arquiva o caso ou aplica penas brandas. O silêncio também espanca.

Sessenta e um golpes não são cometidos por acidente. Não são fruto de um impulso momentâneo. São a expressão máxima de um sentimento de posse, de domínio, de impunidade. O agressor que desfere tantos golpes o faz porque acredita que pode. Porque confia na lentidão do sistema. Porque sabe que, mesmo filmado, talvez ainda consiga uma defesa que o descreva como "arrependido", "emocionalmente abalado" ou "bom pai de família".

Mas e a mulher? Essa, muitas vezes, carrega os hematomas não só no corpo, mas na alma. É julgada, questionada, desacreditada. “Por que ainda estava com ele?”, “Será que não provocou?”, “Deve ter algo por trás.” A revitimização é parte do ciclo de violência. E ela afasta, isola, silencia.

É urgente romper esse ciclo. A sociedade precisa parar de tratar esses episódios como exceções ou tragédias inevitáveis. São crimes previsíveis. Anunciados. Muitas vezes denunciados — e ignorados. É preciso agir com rigor contra os agressores, garantir medidas de proteção eficazes, e criar políticas públicas voltadas à prevenção. A educação emocional, o combate ao machismo estrutural e o fortalecimento de redes de apoio são tão importantes quanto a punição.

O elevador, espaço de passagem e convivência, virou palco de terror. Que o vídeo não seja só mais um viral da internet, mas um alerta. Cada soco ali foi um golpe contra todas as mulheres. Contra a humanidade. E contra o Estado que ainda não cumpre seu papel de proteger.

Que a sociedade não se cale. Porque o silêncio, nesse caso, também mata.

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