sábado, 21 de julho de 2018

Mais siglas, mais eleitores, menos candidatos


Ainda que, nos últimos 20 anos, o número de partidos políticos no País tenha aumentado, no Ceará, o quantitativo crescente de agremiações políticas – e do eleitorado – não tem representado, nas últimas cinco eleições para governador, uma multiplicidade proporcional do número de candidatos. Em 2018, ano em que o Brasil mais tem partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas últimas duas décadas, aliás, o número de postulantes ao Palácio da Abolição – cinco, até o momento – deve ser um dos menores dos últimos vinte anos. Desde 1998, apenas o último pleito geral, em 2014, foi disputado por menos de cinco candidatos.
Os cinco nomes colocados para a disputa, ainda na condição de pré-candidatos, são o atual governador Camilo Santana (PT), postulante à reeleição, o general Guilherme Theophilo, recém-filiado ao PSDB, o presidente estadual do PSOL, Ailton Lopes, o advogado Hélio Góis, do PSL, e o operário Francisco Gonzaga, do PSTU. Assim, apenas cinco dos 32 partidos com representação organizada no Ceará devem lançar candidatos, enquanto aos outros 27 caberá acomodarem-se nas coligações mais viáveis para os respectivos interesses eleitorais.
Atualmente, o TSE contabiliza 35 partidos políticos existentes no Brasil. Segundo a Justiça Eleitoral, no Ceará, apenas PCB, PCO e PMB não possuem órgão definitivo ou comissão provisória com registro no Tribunal. De acordo com levantamento realizado pelo Diário do Nordeste, o número supera os registrados nas eleições gerais de 2014 (33 partidos), de 2010 (28 partidos), de 2006 (também 28), de 2002 (27 legendas) e de 1998 (28 partidos).
De uma campanha a outra, ainda que o número de agremiações, em alguns casos, tenha se mantido, também foram frequentes a criação e a extinção de partidos. Entre as eleições de 2006 e de 2010, por exemplo, o Partido Geral dos Trabalhadores (PGT) e o Partido Liberal (PL) deixaram de existir, enquanto PRB e PSOL foram fundados em 2005 e o PR, em 2006. Já em 2014, (re)nasceram o PSD, que havia sido extinto em 2002, o PPL, o PEN, o PROS e o Solidariedade (SD). Em 2015, foram criados a Rede Sustentabilidade, o Partido Novo e o PMB.
Alianças
Em 1998, quando Tasso Jereissati (PSDB) foi reeleito governador – para o terceiro mandato – em primeiro turno, com 62,7% dos votos, disputaram o cargo outros quatro postulantes: o ex-governador Luiz Gonzaga Mota (PMDB) e o petista José Airton Cirilo foram o segundo e o terceiro colocados, com 21,9% e 13,8% dos sufrágios, respectivamente, seguidos por Antônio Reginaldo Costa Moreira (PMN) e Valdir Alves Pereira (PSTU). Com 28 partidos existentes no País àquela época, apenas estes dois últimos candidatos foram para a disputa estadual com chapas puras. Todas as outras agremiações agruparam-se em três coligações majoritárias.
O pleito seguinte, em 2002, foi o que mais teve candidatos a governador nos últimos vinte anos. Sete nomes disputaram o Palácio da Abolição, e Lúcio Alcântara, à época no PSDB, em coligação com PPB, PSD e PV, venceu José Airton Cirilo (PT), em chapa formada por PT, PCdoB, PL, PMN e PCB, no segundo turno. Welington Landim (PSB), Sérgio Machado (PMDB), Cláudia Maria Meneses Brilhante (PTB), Pedro de Albuquerque Neto (PDT) e Raimundo Pereira de Castro (PSTU) – os três últimos com chapas puras – ficaram pelo caminho no primeiro turno.
Quatro anos depois, Lúcio Alcântara (PSDB) tentou reeleição, mas foi derrotado por Cid Gomes, à época no PSB, ainda no primeiro turno. Ao constituir um arco de aliança formado por nove partidos – PSB, PT, PCdoB, PMDB, PRB, PP, PHS, PMN e PV –, o pessebista obteve 62,3% dos votos e desbancou não só o então governador, em coligação formada por PTB, PTN, PSC, PPS, PFL, PAN, PTC e PSDB, mas também Renato Roseno (PSOL), José Maria de Melo (PL), Francisco Horácio Marques Gondim (PSDC) e Salete Maria da Silva (PCO).
Em 2010, embora sete postulantes a governador tenham registrado pedidos de registro de candidatura à Justiça Eleitoral, apenas seis participaram da campanha: Cid Gomes (PSB), Lúcio Alcântara (PR), Marcos Cals (PSDB), Soraya Tupinambá (PSOL), Francisco Gonzaga (PSTU) e Marcelo Silva (PV). Maria da Natividade, do PCB, foi considerada “inapta” para a disputa. Apoiado por sete partidos – PRB, PDT, PT, PMDB, PSC, PSB e PCdoB –, Cid obteve 2,43 milhões de votos e foi reeleito com facilidade em primeiro turno.
Acirramento
Quatro anos depois, a eleição não foi fácil para o indicado de Cid Gomes ao Palácio da Abolição. Após dois mandatos, o então pessebista recrutou 18 partidos para a coligação de Camilo Santana (PT): PRB, PP, PDT, PT, PTB, PSL, PRTB, PHS, PMN, PTC, PV, PEN, PPL, PSD, PCdoB, PTdoB, SD e PROS. Já ao lado de Eunício Oliveira (PMDB) marcharam nove siglas: PSC, PMDB, DEM, PSDC, PRP, PSDB, PR, PTN, PPS. Com 53,35% dos votos no segundo turno, o petista venceu o peemedebista, que teve 46,65% dos sufrágios. Eliane Novaes (PSB) e Ailton Lopes (PSOL) terminaram o primeiro turno em terceiro e quarto lugar, respectivamente.
Para este ano, após dissidências recentes na oposição, o governador Camilo Santana deve disputar reeleição em um arco de alianças ainda mais amplo – aliados contabilizam até 24 siglas na base governista. Já o PSOL, de Ailton Lopes, disputará o Governo do Estado em coligação com o PCB, enquanto o PSDB, do general Guilherme Theophilo, tem consigo o PROS. O PSL, de Hélio Góis, e o PSTU, de Francisco Gonzaga, até o momento, vão para a disputa com chapas puras.
Falta projeto político a partidos, dizem analistas
A desproporcionalidade entre o número de partidos no País e a quantidade de pré-candidaturas colocadas, até o momento, ao Governo do Estado é reflexo, de acordo com cientistas políticos, de características do sistema político brasileiro que se mantêm apesar de mudanças propostas em reformas políticas recentes. No contexto de uma crise de representatividade, analistas políticos observam, ainda, que faltam à maioria das legendas projetos políticos próprios que possam ser apresentados em uma disputa eleitoral.
Ao refletir sobre o agrupamento de tantos partidos em torno de poucas candidaturas, o cientista político Osmar de Sá Ponte, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta que é preciso considerar que a política, no Brasil, “é baseada no financiamento da campanha”. Em meio a disputas caras, portanto, há, conforme analisa, poucos partidos “afeitos a alianças programáticas” no País. Em esfera estadual, avalia o cientista político, a maioria das legendas “não tem projetos para o Ceará”. “O partido se transforma numa empresa, e não num organismo de natureza política”, afirma.
Segundo ele, variáveis de valor eleitoral, como tempo de propaganda em rádio e televisão e negociações de cargos, são “interesses menores” que determinam estratégias eleitorais. “Isso torna a nossa política aquilo que ela é. Você vê que, nacionalmente, tem muitos candidatos, e localmente, muito poucos. As alianças locais deveriam refletir alianças nacionais para ter o mínimo de coerência programática. Não têm”, diz. “Só querem eleger bancada, portanto, estão sujeitos a se aliar a todas as forças que são mais convenientes a esse projeto”, completa.
Professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o cientista político Josênio Parente, por sua vez, argumenta que o reduzido número de pré-candidaturas em meio a um universo de tantos partidos decorre, também, de uma “crise de representação”. “As pessoas falam muito dos candidatos majoritários que devem ter projetos para mobilizar e ter a possibilidade de ganhar a eleição. Partidos são como times de futebol: eles têm que fidelizar o eleitor”, sustenta. “Tem partidos que não têm torcedores, então, no fundo, estão procurando vender seu passe, na medida em que a nossa representação está em crise”, acrescenta.
Neste mosaico de fatores, contradições emergem das coligações. No bloco governista, por exemplo, DEM e PCdoB, ideologicamente divergentes, dividem espaço no arco de aliança do governador Camilo Santana. O partido deste, por sua vez, após rompimento local e nacional – que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) –, ensaia reaproximação com o MDB no Ceará.
Mudança
Para Osmar de Sá Ponte, a pluralidade de partidos que formam coligações numerosas é, em muitos casos, “fisiológica”. Um caminho para modificar tal lógica, sustenta ele, não seria a limitação do número de legendas em uma democracia, mas a regulamentação “do que se conhece como partido”. “Os partidos deveriam ser acompanhados pela sociedade. Não dá para ter um partido político que surge e simplesmente tem uma existência intocada pela sociedade, principalmente porque o partido é a expressão da sociedade”.
Josênio Parente faz avaliação semelhante. “A lógica da política não é a lógica da moral, é a lógica de juntar forças para ganhar”, afirma. Apesar disso, diz ele, a crise de representação tem despertado uma consciência de cidadania em parte do eleitorado – manifestada, por vezes, em uma radicalização de discursos –, que pode, aos poucos, exigir mudanças no jogo eleitoral. “Quando a cidadania despertar, que é soberana, os partidos terão que ter compromisso com ela”.

(DN)

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